A pracinha
do bairro sempre foi o ‘point’ dos moradores da comunidade desde os tempos da
ditadura, quando Garrastazú Médice pintou por lá para cortar com tesoura a fita
de inauguração do chafariz. Muitas crianças cresceram naqueles parquinhos,
descendo no escorrega, girando o carrossel, comendo pipoca e algodão doce.
Muitos hippies já curtiram um ócio nos bancos daquela praça. Muitos pombos já
deixaram suas lembranças excrementícias nos ombros honrosos de Marechal Deodoro
da Fonseca, esculpida por um bustuário qualquer na entrada do coreto. Coreto
este, palco de muitas, muitas, quase incontáveis manifestações culturais da
cidade. Fanfarras, charangas, artistas da terra, atores teatrais, políticos
corruptos (como se estas palavras não fossem inseparáveis), ventríloquos,
mágicos, corretores de imóveis....todas estas figuras mitológicas, folclóricas
e urbanas, já fizeram uso do espaço público sempre tão prestigiado e conservado
até o dia de hoje.
Na praça
também, muitas das crianças que cresceram escorregando, pulando, balançando e
caindo de bicicleta, se tornaram jovens adultos e arranjaram namoros por ali.
Namoros que viravam casamentos, que geravam filhos, que voltavam a dar a vida
colorida e despreocupada que é a vida de uma praça. Muito bonito.
Se pra
muita gente a pracinha era recoberta por uma aura romanesca, pra Júlia nada
nunca mudava. Tudo sempre continuava na mesma. Fizera vinte e cinco anos dia
desses e os passeios nas calçadas jardinadas só serviam pra tagarelar com as
amigas igualmente solteiras sobre ‘boy bands’, crepúsculos e pra mascar
chiclete. Júlia estava meio cansada dessa vida. Não que fosse feia, pelo
contrário, não era, mas, sabe, nunca conseguia alguém. Talvez fosse a educação
dos pais. Talvez fosse a falta de educação de seus modos. Ou ainda talvez fosse
o horroroso hábito de só andar em bando, irmanada a suas amigas patéticas e
escalafobéticas. Meninas bobas, que pareciam viver no mundo de Peter pan. Aliás,
aliado a seus maus modos, Júlia era muito ranheta, não se contentava com nada.
Qualquer partido não serve. Arnaldo não serve porque chama Arnaldo, Bernardo
não serve porque lembra São Bernardo do Campo, Camilo não serve porque tem uma
pinta no pescoço, Damião é até bem apessoado, mas é pobre pra chuchu, com Roberto
até chegou a começar um namoro, mas terminou antes do filme acabar, no primeiro
encontro, por causa de uma pipoca sem sal, com sal, sabe-se lá. Ricardo era
rico, "bon mot" e inteligente. Descobriu-se
logo no primeiro mês que também era afeminado. Nesse ponto fecho com Júlia.
Assim não dá.
E vivendo
assim, num misto de falta de sorte, exigências exacerbadas, falta de jeito pra
lidar com homens, maus hábitos sociais, ingredientes de uma poção mágica
esdrúxula que enfeitiçava suas pretensões amorosas, Júlia estava disposta a
mudar de vida. Como se uma força motriz lhe empurrasse avante, estava
determinada desta vez em enveredar-se pelas vias da paixão, do mundo a dois, do
apego sentimental. Afinal, vinte e cinco primaveras já se passaram e...não é
mole não. Esse lance de solidão é coisa de ermitão.
Começou a
freqüentar outras praças. Cinemas, festas, rodeios e comícios desta vez sem a
patota, uma vez aqui outra acolá chamava Sofia pra lhe fazer companhia. Parou
com os pitis histéricos, aceitou mais as coisas, as pessoas. Cuidou mais de si.
Agora andava perfumada, sempre produzida. Na faculdade, todos notavam a
diferença. Júlia era outra. Com seus cabelos castanhos intensos virou sinônimo
de beleza com sua silhueta escultural e escomunal. Se antes não era primeira
escolha de ninguém, agora uma chuvarada de pretendentes exóticos viviam
tentando a sorte com a mina. Lembrando que só o Senhor conseguiu transformar
água em vinho, Júlia, ainda com resquícios de sua velha forma, estava aguardando
o melhor bote. Ou, ainda mais seletiva, queria mesmo é fazer sua escolha.
Um dia no
shopping, tomava um milk-shake às três da tarde com Sofia. Blábláblás a parte,
em dado momento Júlia enxergou ao longe, láááááá no finzinho da praça de
alimentação, um bonitão. Iniciou-se a paqueração. Olhares fumegantes cortando
de lá, cortando de cá. Como numa briga de foices pertinaz, os olhares cruzavam
o espaço num duelo entre dois pretensos amantes. Júlia entre um olhar e outro
cochichava com Sofia sobre os dotes físicos do rapaz, que estava num grupinho
de amigos, tomando cerveja, algo assim. Sem suspeitar do movimento, Júlia é
rendida. Surpreendida por um garçom, recebe um papelzinho com um convite,
telefone. A moça quase virou leite condensado e besuntou tudo de tão derretida.
O cara, talvez se sentindo um desses mamíferos do national geografic que se
requebram todo pra conseguir seduzir a fêmea, recebeu um sorriso confirmativo,
um balançar de cabeça encabulado por parte de Júlia, que, agora, pareceu ter
encontrado seu par almejado. Um lampejo lembrou-a do tal amor a primeira vista,
este que todo mundo alega existir e coisa e tal. O garçom recebeu nova missão.
Ganhou das mãos de Júlia outro papel destinado ao moço-sem-nome. Minutos depois
o emissário cumpriu sua tarefa e passou às mãos do sujeito a informação postada
por Júlia. Era o número de telefone da gata. O
rapaz-desconhecido-da-praça-de-alimentação sem perder um segundo sequer, meteu
a mão direita no bolso da calça e sacou um celular. Com a mesma mão digitou os
números e imediatamente ligou pra Júlia. Tempos modernos. Júlia que de longe
acompanhava tudo, não aguardou ao menos a campainha do seu aparelho telefônico
reclamar e já foi atendendo com o coração na boca, boca seca e ossos trêmulos.
Uma sensação diferente de todas as outras. Ao ouvir a voz do galanteador, não
respondeu logo. Engoliu primeiro duas ou três salivações pra não correr o risco
de engasgar. Dali pra frente...bom, dali pra frente já entramos na intimidade
do casal e cabe a cada um de nós imaginar o resto. O importante mesmo é saber
que marcaram um encontro. Findada a conversa Júlia achou por bem não ficar por
ali dando sopa. Não passou pela cabeça nem um segundo sequer ir lá ao encontro
do rapaz...ele estava com os amigos, um burburinho de gente não ia ser nem um
pouco romântico encontrá-lo desse jeito. Por essa razão imaginou que
astutamente o Marcelo (estava no papel, agora pude ler), não foi ao seu
encontro. Ia dar bandeira aos amigos. Por isso achou demais o convite. Pegou
Sofia, jogou no lixo o copo com restinho de milk-shake e foram embora. As duas.
Pro bairro. Pra casa.
Naquela noite
sonhou com Marcelo. Coisa estranha, mas sonhou. Nunca havia lhe acontecido
isso. Sonhar com alguém em especial. De manhã, pegou por três vezes o telefone
pra ligar pra ele. Hesitou. A velha
Júlia jamais faria isso. A nova Júlia ao menos cogitava a possibilidade. A
abstinência, porém foi suspensa, pois Marcelo por si só tomou a iniciativa. Ligou,
só que no finzinho da tarde. Não importa. Conversaram por mais de meia hora.
Reafirmaram o horário e o local do encontro.
Na noite
seguinte, Júlia chegou primeiro. Quinze minutos antes. A ansiedade um pouco
moderada. O restaurante ficava no bairro próximo ao seu. O garoto vinha de mais
longe. À tarde, pesquisou em uma rede social sobre o menino. Não encontrou
nada. Não sabia o seu sobrenome, o que dificultou a pesquisa. Mirava o relógio
a cada trinta segundos. Sem mais delongas, Marcelo apareceu na porta do
estabelecimento, a essa altura razoavelmente movimentado. Júlia estava olhando
de lado e ao virar-se percebeu a entrada da sua companhia. Quando viu Marcelo,
pela primeira vez de perto, sentiu um frio subir pela espinha, um susto
nascente nas plantas dos pés, um embrulho embaraçador no estômago, um enjôo de
perplexidade, uma tontura estonteante. Não imaginava que ele fosse tão bonito.
Não imaginava que ele fosse maneta. O cara não tinha a mão esquerda. Rapaz, nem
em seus piores pesadelos imaginou que Marcelo fosse maneta. Um flash back
mental de poucos segundos realmente confirmou que naquela tarde no shopping a
distância não revelou este detalhe. Ficou sem chão. O rapaz se aproximava com
um largo sorriso. Bem trajado, com uma dessas camisas sport fino com um emblema
de um réptil boquiaberto, calças semi bag da moda e perfume internacional. Júlia segurou com as unhas a borda da mesa.
Não sabia o que pensar, o que falar...qual a saída? Ele de fato era um príncipe
encantado, mas não tinha a mão esquerda. Um choque em suas pretensões. Um
nocaute no seu coração recém convertido. Ainda sem perceber o atordoado
semblante da pequena, Marcelo chegou cumprimentando estendendo a mão, a boa,
claro, e se agachando para um beijo, no que ouviu uma explosão de dinamite:
- Por que não
me contou? – Perguntou Júlia, olhando pro defeito.
- Contei o
quê? Ah sim, você diz sobre minha deficiência? Que diferença faz?
- Você não
tinha esse direito de me esconder isso. Devia ter me avisado. – Retrucou, cuspindo
marimbondos.
- Ei! Calma
garota! Eu nem te conheço, aliás, esse encontro era pra isso, não era? Pra
gente se conhecer?
- Não, não era
pra isso seu mané! Eu pensei que... pensei que você era... você não passa de um
aleijado digno de pena.
- Pode ser,
mas se você acaba de descobrir o meu defeito, acabo de descobrir o seu.
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Lição 1:
Quais os olhos que te guiam? Os carnais ou os espirituais?
Deus conhece o interior, não a casca!
"Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade; E estais perfeitos nele, que é a cabeça de todo o principado e potestade..." - Colossenses 2:9-10
Lição 2:
Lugar de procurar relacionamento é na presença de Deus!
"Deleita-te também no Senhor, e ele te concederá o que deseja o teu coração." Salmos 37:4
"Casa e riquezas são herdadas dos pais; mas a mulher prudente vem do Senhor. " -Provérbios 19:14
Por Bruno Ramos
As vezes... acho que me falta uma...silhueta escultural e escomunal.kkkkkkk
ResponderExcluirOu então deixar um pouco a PATOTA de sobrinhos que insistem em me acompanhar.Assim, nem os MANETAS me querem. kkkk
Brincadeiras à parte...
GRANDE LIÇÃO... ÀQUELE QUE NÃO TEM DEFEITO! ATIRE A PRIMEIRA PEDRA.
kkkkkkkkk!!!!!!!! modesta você né!!! E uma excelente lição vc notou de fato: atire a primeira pedra quem não tem defeito!!! :)
ExcluirMuita boa a estória...e faz a gente repensar sobre nossas exigencias pra que está ao nosso lado!
ResponderExcluirSuely
http://sbertoncini.zip.net
obrigado Suely...vc sempre receptiva aos meus textos!!!!!!!
ResponderExcluirE é verdade...quando nos colocamos a exigir demais sobre nossos companheiros, pessoas q nos amam e nos querem bem, nada mais estamos fazendo do q expondo nossos proprios defeitos